O Pequeno Mundo
Por vezes, nos romances, surgem
reflexões sobre as leis da física e surgem referências a físicos.
Em “O Pequeno Mundo” de Luísa
Costa Gomes - romance que se desenrola através de missivas escritas entre as
personagens- às páginas tantas, Leonardo escreve ao amigo João Manuel:
«Por isto, já vês, não foi a
morte de Camila que me assustou mas o aperceber-me, a súbitas, no que me tinha
tornado; rompendo através das gordurosas do corpo os untos diversos que me
corriam no cérebro, tinha que, em vez das lubrificações aéreas que eu
antecipara, me apatizavam os cada vez mais ralos pensamentos de um espírito que
padecia de boa-vontade e colaborativo na correnteza dela, os mortais empuxões
da inércia. Que é, se bem te lembras, a lei mais funda de toda a realidade.
Deixando-me levar pela correnteza dela, havia de estar hoje sentado com
Esmeralda a fazer meia e a conversar do tempo frutuoso das colheitas do ano
passado»
A lei da inércia aparece a
Leonardo como intangível e como o estado deste mundo - isto apesar de o pequeno
mundo continuar acelerado.
A estrutura e até a moral de “O
Pequeno Mundo” são análogas ao romance “Boquitas Pintadas” do argentino Manuel
Puig - salvo que o primeiro é dominado por relações amorosas e traições,
enquanto o segundo é dominado pela denúncia, por parte de um jornalista, da
hipotética corrupção de um caudilho –, ambos se baseiam em epístolas e dão a imagem
de um mundo sem ética, regido pela astúcia e perpassado de traições, de hipocrisia,
de desejos de poder e de corrupção.
João Miguel chega a escrever a
Manuela:
«Leonardo transformou-se num
socialista utópico pós-catastrofista, o que, se considerarmos o processo todo
com olho equânime, é um passo adiante daquelas ideias do século ΧІΧ conservador
que sempre defendeu. Não perco a fé em vê-lo transitar um dia para o socialismo
científico e depois à social-democracia, para se afogar nos títulos e nas
acções e ir para Lisboa gesticular na Bolsa, refazendo em si mesmo o percurso
da própria História.»
Esta última etapa da história é
inegavelmente a que estamos agora a viver.
No término do romance Manuela escreve
este episódio maravilhoso, que desconhecia, sobre Arquimedes:
«Noli turbare círculos meos, disse ele que parece que foi a forma de
Arquimedes pedir a quem o vinha matar que lhe não pisasse as figuras que ele
tinha desenhado na areia.»
De facto apagar a obra de um
génio é um crime, e o actual governo de Portugal e o Presidente da República
não têm feito outra coisa se não apunhalar a cultura e, por arrasto, a obra dos
génios. Tudo o que peço a estes senhores é que tenham um pouco de atenção e
poupem os círculos na areia, uma vez que a sua sede de extermínio da cultura é imparável.
Contra a opinião de muitos cronistas, eu considero que a omissão do nome de
José Saramago na Colômbia, por parte do senhor Presidente da República, foi
propositada e vergonhosa. Mais, este senhor deveria ser obrigado a ler o único
Nobel da literatura portuguesa, porque foi um prémio justo e não obra do céu. É
verdade que as aparições deixam os portugueses a ver apenas branco, uma vez que
são inexplicáveis, e que se perpetuam pelo tempo afora; agora esta de misturar
Religião com Euros é de quem anda completamente perdido.
Não fugindo deste pequeno mundo, já vejo o senhor Cavaco Silva em peregrinação para Fátima com o actual treinador do Porto, levando algumas vitaminas na sacola, e a recitarem o Evangelho pelo caminho.
Não fugindo deste pequeno mundo, já vejo o senhor Cavaco Silva em peregrinação para Fátima com o actual treinador do Porto, levando algumas vitaminas na sacola, e a recitarem o Evangelho pelo caminho.
O romance acaba com uma carta de
João Miguel a Leonardo:
«Duvido que voltemos a falar-nos.
Lembras-me um dito do tutor de Stendhal – perdoa-me esta anedota – a
quem perguntavam por que ensinava ele ainda o sistema ptolomaico, sabendo-o
falso. «Senhor», respondeu o sábio, «ele explica tudo o que é preciso e ainda
por cima tem a aprovação da Igreja.» É assim que eu te vejo, fincado no teu
sistema ptolomaico, nem que para isso tenhas de ir espezinhando quem não te
inclui no arranjo das coisas.»
É no sistema hodierno de
Copérnico que os portugueses vivem divididos, porque uns se recusam a ver os
seus falhanços, enquanto outros se esquivam das suas responsabilidades na crise
actual. E, deste modo, tenho que revezar a imagem de José Sócrates com a de M.
Rebelo de Sousa no meu televisor, e ficar com os cabelos dos braços arrepiados
face à comiseração e ao catolicismo do senhor Paulo Portas.
Para mim é evidente que o
neo-liberalismo é a máscara do fascismo e que o socialismo português rasgou
todos os seus valores e aplicou os do neo-liberalismo. Assim, estamos prestes a
regressar ao Estado Novo. Empobrecer o todo para depois, faminto e em
desespero, suar de sol a Sol para o senhor da espreguiçadeira.
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