sexta-feira, 1 de março de 2013

Leopoldo Lugones


Leopoldo Lugones

 

 




«Tyndall disse, em um exemplo gráfico, que a força de um punhado de neve na mão de uma criança, bastaria para fazer em pedaços uma montanha.»

                                                               Leopoldo Lugones

 

Esfrega as mãos no ar e ouve o respectivo som. Como o explicas?

A perturbação propagou-se no ar (meio) através da interacção entre as partículas e formou uma onda mecânica. O som emitido foi deste modo propagado em todos os sentidos. Se, em vez de esfregares as mãos, as agitares no ar, não ouves qualquer som - apesar de a onda mecânica existir - porque a frequência da mesma está abaixo do limite perceptível pela membrana do tímpano (16Hz – 20000Hz).

Depois de esfregares as mãos liga o rádio e coloca algodão nos ouvidos. Não ouves nada, mas a onda continua a atingir o tímpano. Acontece que depois de atravessar o algodão, a uma velocidade mais alta que no ar, ela perde intensidade.  

  A intensidade do som é directamente proporcional à amplitude da onda. Ora, se aumentares o volume do teu rádio, o som será mais intenso porque a amplitude da vibração aumenta. O teu tímpano vai vibrar a maior amplitude.

   Quando um meteorito a velocidade superior ou igual à do som entra na atmosfera e eclode em fragmentos, formam-se ondas mecânicas intensas de frequências baixas, inferiores a 16 Hz. Elas ao penetrarem num vidro fazem com que este vibre a grande amplitude, podendo inclusive partir-se. Foi precisamente isto que ocorreu há pouco tempo nos Urais.

    No domínio da ficção, Leopoldo Lugones, poeta e contista argentino (com gosto pelas ciências naturais), pioneiro da narrativa curta no país das pampas, que influenciou contistas como Rodolfo Wilcock e Silviana Ocampo, escreveu no seu livro “As Forças Estranhas” um conto mágico sobre o som, a que deu o título de “A força ómega”. Este conto centra-se em torno de três amigos: o narrador, um médico e um inventor pobre e autodidacta. Certo dia, o inventor revela a descoberta de uma nova força revolucionária, desta forma:

   Com a sua voz clara de sempre, aspecto negligente e com as mãos estendidas sobre a mesa, como durante discursos psíquicos, nosso amigo enunciou esta coisa surpreendente:

- Descobri a potência mecânica do som. Sabem - continuou sem se preocupar com o efeito causado pela sua revelação –, sabem muito disto para compreender que não se trata de nada sobrenatural. É um grande feito, decerto, mas não superior à onda hertziana ou ao raio de Roentgen. A propósito, coloquei também um nome à minha força. E como ela é a última na síntese vibratória cujos outros componentes são o calor, a luz e a electricidade, chamei-lhe a força ómega.

- Mas o som não é coisa distinta? – Perguntou o médico.

- Não, desde que a electricidade e a luz foram consideradas como matéria. Falta todavia o calor. No entanto a analogia leva-nos a conjecturar a identidade da sua natureza, e vejo chegar o dia em que se demonstre este postulado evidente: Se os corpos se dilatam com o calor, ou de outro modo, se seus espaços intermoleculares aumentam, é porque entre eles se introduziu algo, o calor. Caso contrário haveria que recorrer ao vazio aborrecido pela natureza e pela razão.

O som é matéria para mim, mas isto resulta melhor da exposição de minha descoberta

….

Veio-me esta ideia, base de todo o invento: a vibração sonora transforma-se em força mecânica e por isso deixa de ser som.


Eu considero que o som é matéria solta da fonte sonora em partículas infinitesimais, e dinamizada de tal forma, que dá a sensação do som, como as partículas odoríferas dão a do odor. Essa matéria solta-se na onda comprovada pela ciência e que eu me propunha modificar, fazendo a onda aérea conhecida por nós, do mesmo modo que a ondulação de uma enguia é repetida por esta na sua superfície.

Quando a dupla onda choca com um corpo, a parte aérea reflecte-se na superfície; a etérea penetra produzindo a vibração do corpo, sem consequências, pois o éter do corpo dinamiza-se em harmonia com o da onda difundida nele; e é esta a explicação que se dá pela primeira vez, das vibrações sonoras.


Se a onda atinge o centro molecular do corpo este desintegra-se em partículas impalpáveis.

 

Para comprovar esta força revolucionária, os três amigos montaram num quarto um aparato sonoro. Do diapasão, deste aparato, emergiam ondas intensas de 40.000 vibrações/s que eram depois dirigidas, como flechas, para o centro atómico de barras de ferro. Eles verificaram que estas se desfragmentavam, comprovando a teoria do inventor. No entanto, um dia, o médico e o narrador entraram no quarto e encontraram o inventor morto e um manto sombrio da sua cabeça vazia projectado na parede. Esta força apenas podia ser usada pelo inventor, porque ele tinha um sentido que lhe permitia ver o centro de gravidade de um corpo.

Que prazer teria se esta teoria fosse verdade, e ao cantar a “Grândola Vila Morena” o som atingisse o centro de gravidade de certas pessoas! Ainda mais triste do que ouvi-la em certa bocas, é ver um jornalista mandar calar os jovens, quando ele próprio é professor equiparado (sem licenciatura) numa escola superior. De facto, quando certas pessoas ouvem cantar a igualdade e a fraternidade ficam incomodadas, e, como estes valores não se enquadram na sua ideologia, logo afirmam que uma certa classe política se apoderou da música como seu símbolo. É esta pergunta que faço aos nossos governantes: Querem a igualdade?

Leopoldo Lugones acabou por se suicidar com uma mistura fatal de Whisky e cianeto. Encontrou, decerto, a noite mais pura.

 

Declama em surdina, tu que me estás a ouvir, este poema de Lugones:

 

«A Noite Pura

 

Floreció, con la lluvia, en los jardines,

El cándido jazmín de primavera.

La noche, cual profunda enredadera,

Cuaja también en luz claros jazmines...

             

Floresceu com a chuva nos jardins,

O cândido jasmim da primavera.

A noite como uma profunda trepadeira

Muda também a luz dos claros jasmins...»

  

Ouviste a noite? Agora espera por ela, como eu espero que as editoras do meu país traduzam Wilcock e Silviana Ocampo.

 

 

 

 

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