Leopoldo Lugones
«Tyndall disse, em um exemplo gráfico, que a força de um punhado
de neve na mão de uma criança, bastaria para fazer em pedaços uma montanha.»
Leopoldo Lugones
Esfrega as mãos no ar e ouve o respectivo som. Como o explicas?
A perturbação propagou-se no ar
(meio) através da interacção entre as partículas e formou uma onda mecânica. O
som emitido foi deste modo propagado em todos os sentidos. Se, em vez de
esfregares as mãos, as agitares no ar, não ouves qualquer som - apesar de a
onda mecânica existir - porque a frequência da mesma está abaixo do limite
perceptível pela membrana do tímpano (16Hz – 20000Hz).
Depois de esfregares as mãos liga
o rádio e coloca algodão nos ouvidos. Não ouves nada, mas a onda continua a
atingir o tímpano. Acontece que depois de atravessar o algodão, a uma
velocidade mais alta que no ar, ela perde intensidade.
A intensidade do som é directamente proporcional à amplitude da onda. Ora,
se aumentares o volume do teu rádio, o som será mais intenso porque a amplitude
da vibração aumenta. O teu tímpano vai vibrar a maior amplitude.
Quando um meteorito a velocidade superior ou igual à do som entra na
atmosfera e eclode em fragmentos, formam-se ondas mecânicas intensas de frequências
baixas, inferiores a 16 Hz. Elas ao penetrarem num vidro fazem com que este
vibre a grande amplitude, podendo inclusive partir-se. Foi precisamente isto
que ocorreu há pouco tempo nos Urais.
No domínio da ficção, Leopoldo Lugones,
poeta e contista argentino (com gosto pelas ciências naturais), pioneiro da
narrativa curta no país das pampas, que influenciou contistas como Rodolfo Wilcock
e Silviana Ocampo, escreveu no seu livro “As Forças Estranhas” um conto mágico
sobre o som, a que deu o título de “A força ómega”. Este conto centra-se em
torno de três amigos: o narrador, um médico e um inventor pobre e autodidacta.
Certo dia, o inventor revela a descoberta de uma nova força revolucionária,
desta forma:
Com a
sua voz clara de sempre, aspecto negligente e com as mãos estendidas sobre a
mesa, como durante discursos psíquicos, nosso amigo enunciou esta coisa
surpreendente:
- Descobri
a potência mecânica do som. Sabem - continuou sem se preocupar com o efeito
causado pela sua revelação –, sabem muito disto para compreender que não se
trata de nada sobrenatural. É um grande feito, decerto, mas não superior à onda
hertziana ou ao raio de Roentgen. A propósito, coloquei também um nome à minha
força. E como ela é a última na síntese vibratória cujos outros componentes são
o calor, a luz e a electricidade, chamei-lhe a força ómega.
- Mas o
som não é coisa distinta? – Perguntou o médico.
- Não,
desde que a electricidade e a luz foram consideradas como matéria. Falta
todavia o calor. No entanto a analogia leva-nos a conjecturar a identidade da
sua natureza, e vejo chegar o dia em que se demonstre este postulado evidente:
Se os corpos se dilatam com o calor, ou de outro modo, se seus espaços
intermoleculares aumentam, é porque entre eles se introduziu algo, o calor.
Caso contrário haveria que recorrer ao vazio aborrecido pela natureza e pela
razão.
O som é
matéria para mim, mas isto resulta melhor da exposição de minha descoberta
….
Veio-me
esta ideia, base de todo o invento: a vibração sonora transforma-se em força
mecânica e por isso deixa de ser som.
…
Eu considero
que o som é matéria solta da fonte sonora em partículas infinitesimais, e
dinamizada de tal forma, que dá a sensação do som, como as partículas
odoríferas dão a do odor. Essa matéria solta-se na onda comprovada pela ciência
e que eu me propunha modificar, fazendo a onda aérea conhecida por nós, do
mesmo modo que a ondulação de uma enguia é repetida por esta na sua superfície.
Quando a
dupla onda choca com um corpo, a parte aérea reflecte-se na superfície; a
etérea penetra produzindo a vibração do corpo, sem consequências, pois o éter do
corpo dinamiza-se em harmonia com o da onda difundida nele; e é esta a
explicação que se dá pela primeira vez, das vibrações sonoras.
…
Se a
onda atinge o centro molecular do corpo este desintegra-se em partículas
impalpáveis.
Para
comprovar esta força revolucionária, os três amigos montaram num quarto um
aparato sonoro. Do diapasão, deste aparato, emergiam ondas intensas de 40.000
vibrações/s que eram depois dirigidas, como flechas, para o centro atómico de
barras de ferro. Eles verificaram que estas se desfragmentavam, comprovando a
teoria do inventor. No entanto, um dia, o médico e o narrador entraram no quarto
e encontraram o inventor morto e um manto sombrio da sua cabeça vazia
projectado na parede. Esta força apenas podia ser usada pelo inventor, porque
ele tinha um sentido que lhe permitia ver o centro de gravidade de um corpo.
Que
prazer teria se esta teoria fosse verdade, e ao cantar a “Grândola Vila Morena”
o som atingisse o centro de gravidade de certas pessoas! Ainda mais triste do
que ouvi-la em certa bocas, é ver um jornalista mandar calar os jovens, quando
ele próprio é professor equiparado (sem licenciatura) numa escola superior. De
facto, quando certas pessoas ouvem cantar a igualdade e a fraternidade ficam
incomodadas, e, como estes valores não se enquadram na sua ideologia, logo
afirmam que uma certa classe política se apoderou da música como seu símbolo. É
esta pergunta que faço aos nossos governantes: Querem a igualdade?
Leopoldo
Lugones acabou por se suicidar com uma mistura fatal de Whisky e cianeto.
Encontrou, decerto, a noite mais pura.
Declama
em surdina, tu que me estás a ouvir, este poema de Lugones:
«A Noite
Pura
Floreció,
con la lluvia, en los jardines,
El
cándido jazmín de primavera.
La
noche, cual profunda enredadera,
Cuaja
también en luz claros jazmines...
Floresceu com a chuva nos
jardins,
O cândido jasmim da primavera.
A noite como uma profunda
trepadeira
Muda também a luz dos claros
jasmins...»
Ouviste a noite? Agora espera por
ela, como eu espero que as editoras do meu país traduzam Wilcock e Silviana
Ocampo.
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