terça-feira, 19 de março de 2013


NUNCA MAIS

 

A investigação sobre os crimes da ditadura militar de J. Videla, que chefiou os destinos da Argentina entre 1976 e 1983, esteve a cargo da Comissão Nacional Sobre O Desaparecimento De Pessoas (CONADEP), chefiada pelo físico e escritor, Ernesto Sábato. As 50 mil páginas de depoimentos, não deixam dúvidas quanto à barbaridade da ditadura: trinta mil mortos, trezentos e quarenta campos de concentração e nove mil desaparecidos. A comissão resume desta maneira o que foi a crueldade da ditadura:
«As grandes calamidades sempre geram lições e, sem dúvida o drama mais terrível que a Nação sofreu em toda a sua história servirá para compreendermos que só a democracia é capaz de preservar o povo de tal iniquidade; que somente ela pode manter e salvar os sagrados e essenciais direitos da criatura humana. Só assim poderemos ter certeza de que NUNCA MAIS em nossa pátria acontecerão os factos que nos fizeram tragicamente famosos no mundo civilizado.»
Em um país, que até há pouco tempo entre nós era considerado um país do terceiro mundo, houve coragem para se elaborar um relatório desta natureza. No meu país, todavia, faltou denodo à democracia para investigar os crimes cometidos durante as várias décadas de fascismo. É hábito latino passar uma esponja pelo passado, e deixar que caudilhos, com rosto de democrata, envolvidos em escândalos, em corrupção e até em assassínios, regressem à cena política e mediática. A eleição de S. Berlusconi para o governo italiano e a impunidade, em Portugal, de eminentes historiadores e escritores envolvidos na ditadura do estado novo, são dois exemplos flagrantes; depois do 25 de Abril, estes historiadores e escritores, continuaram alegremente nas suas funções, e perpetuaram-se pelos jornais diários como cronistas. Esta leviandade permitiu que Sá – Carneiro fosse primeiro-ministro, apesar das suas ligações ao fascismo, e que espalhasse pelo país um mundo onírico, mundo no qual que estamos prestes a entrar: o regresso ao fascismo.
A igreja católica foi também um dos pilares do estado novo, e alguns senhores ainda hoje se recusam a ver o evidente, e até negam o seu envolvimento com a ditadura. O perdão em mim tem limites, e não posso conceder indulto a senhores que de forma consciente permitiram que milhares de pessoas neste país morressem tuberculosas. Quando reverenciamos criminosos, é porque os aceitamos, quando nos entregamos ao mutismo, é porque aceitamos. A união europeia está a caminhar a passo estugado para o fascismo, e a igreja, estultamente, adiantou-se e resolveu eleger para o pontificado um senhor com um passado nebuloso e de complacência com o regime de J. Videla (isto para muitos argentinos). Para que não restem dúvidas sobre a posição pendular da igreja temos que ler o relatório de Sábato:
«1-Sobre atitudes de alguns membros da Igreja
O episcopado Argentino condenou reiteradamente a modalidade repressiva que esta comissão investigou. Não haviam transcorrido dois meses após o golpe de 24 de Março de 1976 quando a Conferência Episcopal, em assembleia-geral, qualificou de “pecado” os métodos empregados. Em Maio de 1977 publicou, no mesmo sentido, um severo documento precedido de comunicações aos membros da junta militar.
Lamentavelmente houve membros do clero que cometeram ou avaliaram, com sua presença, com seu silêncio e até com palavras justificativas, estes mesmos factos que haviam sido condenados pelo Episcopado.»
É neste último parágrafo que muitos argentinos e a senhora presidente Kirchner incluem o Papa Francisco. E não é o subterfúgio da igreja, dita universal, de que a suspeita e a calúnia vem de grupos de extrema-esquerda, que apaga o passado de Bergoglio. Tem que ser o próprio, em nome da verdade, a explicar a sua posição.
No relatório estão vários depoimentos contra padres que rezam factos impensáveis:
«…Também ouvi-o defender e justificar as torturas …» (Depoimento de Luis Velasco)
«…Esclarece que Videla foi a alma caridosa que elaborou este plano para não perder as inteligências…diz que os jovens são atendidos por psicólogos e sociólogos, que há equipas médicas para a saúde e que, aos irrecuperáveis, é possível que alguém piedoso lhe dê uma injecção e o irrecuperável adormece para sempre…» (Denúncia apresentada pelo desaparecimento de Carlos Óscar Lorenzo)
«…mostrou-nos uma lista com muitos nomes e disse-nos que nos fixássemos no nome de nosso filho; aqueles que tinham uma cruz queria dizer que estavam mortos, se não, que estavam vivos…» (Denúncia de Adelina Burgos de Di Spalatro)
Os depoimentos e as denúncias, não deixam margem para conjecturas hipotéticas. A igreja católica argentina, para além de compactuar com a ditadura, foi cínica e hipócrita.
Agora espero que o Papa esclarece a sua posição e que siga os passos de S. Francisco de Assis, porque a nuvem que paira sobre ele pode bem ser um céu sombrio. Sugiro também que não defenestre poeira para os olhos dos cristãos, com o seu franciscanismo. Uma coisa é sentir o sofrimento na pele, como o sente hoje o presidente Cavaco Silva, e outra, bem diferente, é a verborreia para iludir o povo. Por fim, recomendo, a sua santidade, a leitura da biografia do santo, escrita por G. K. Chesterton.
 

sexta-feira, 1 de março de 2013

Leopoldo Lugones


Leopoldo Lugones

 

 




«Tyndall disse, em um exemplo gráfico, que a força de um punhado de neve na mão de uma criança, bastaria para fazer em pedaços uma montanha.»

                                                               Leopoldo Lugones

 

Esfrega as mãos no ar e ouve o respectivo som. Como o explicas?

A perturbação propagou-se no ar (meio) através da interacção entre as partículas e formou uma onda mecânica. O som emitido foi deste modo propagado em todos os sentidos. Se, em vez de esfregares as mãos, as agitares no ar, não ouves qualquer som - apesar de a onda mecânica existir - porque a frequência da mesma está abaixo do limite perceptível pela membrana do tímpano (16Hz – 20000Hz).

Depois de esfregares as mãos liga o rádio e coloca algodão nos ouvidos. Não ouves nada, mas a onda continua a atingir o tímpano. Acontece que depois de atravessar o algodão, a uma velocidade mais alta que no ar, ela perde intensidade.  

  A intensidade do som é directamente proporcional à amplitude da onda. Ora, se aumentares o volume do teu rádio, o som será mais intenso porque a amplitude da vibração aumenta. O teu tímpano vai vibrar a maior amplitude.

   Quando um meteorito a velocidade superior ou igual à do som entra na atmosfera e eclode em fragmentos, formam-se ondas mecânicas intensas de frequências baixas, inferiores a 16 Hz. Elas ao penetrarem num vidro fazem com que este vibre a grande amplitude, podendo inclusive partir-se. Foi precisamente isto que ocorreu há pouco tempo nos Urais.

    No domínio da ficção, Leopoldo Lugones, poeta e contista argentino (com gosto pelas ciências naturais), pioneiro da narrativa curta no país das pampas, que influenciou contistas como Rodolfo Wilcock e Silviana Ocampo, escreveu no seu livro “As Forças Estranhas” um conto mágico sobre o som, a que deu o título de “A força ómega”. Este conto centra-se em torno de três amigos: o narrador, um médico e um inventor pobre e autodidacta. Certo dia, o inventor revela a descoberta de uma nova força revolucionária, desta forma:

   Com a sua voz clara de sempre, aspecto negligente e com as mãos estendidas sobre a mesa, como durante discursos psíquicos, nosso amigo enunciou esta coisa surpreendente:

- Descobri a potência mecânica do som. Sabem - continuou sem se preocupar com o efeito causado pela sua revelação –, sabem muito disto para compreender que não se trata de nada sobrenatural. É um grande feito, decerto, mas não superior à onda hertziana ou ao raio de Roentgen. A propósito, coloquei também um nome à minha força. E como ela é a última na síntese vibratória cujos outros componentes são o calor, a luz e a electricidade, chamei-lhe a força ómega.

- Mas o som não é coisa distinta? – Perguntou o médico.

- Não, desde que a electricidade e a luz foram consideradas como matéria. Falta todavia o calor. No entanto a analogia leva-nos a conjecturar a identidade da sua natureza, e vejo chegar o dia em que se demonstre este postulado evidente: Se os corpos se dilatam com o calor, ou de outro modo, se seus espaços intermoleculares aumentam, é porque entre eles se introduziu algo, o calor. Caso contrário haveria que recorrer ao vazio aborrecido pela natureza e pela razão.

O som é matéria para mim, mas isto resulta melhor da exposição de minha descoberta

….

Veio-me esta ideia, base de todo o invento: a vibração sonora transforma-se em força mecânica e por isso deixa de ser som.


Eu considero que o som é matéria solta da fonte sonora em partículas infinitesimais, e dinamizada de tal forma, que dá a sensação do som, como as partículas odoríferas dão a do odor. Essa matéria solta-se na onda comprovada pela ciência e que eu me propunha modificar, fazendo a onda aérea conhecida por nós, do mesmo modo que a ondulação de uma enguia é repetida por esta na sua superfície.

Quando a dupla onda choca com um corpo, a parte aérea reflecte-se na superfície; a etérea penetra produzindo a vibração do corpo, sem consequências, pois o éter do corpo dinamiza-se em harmonia com o da onda difundida nele; e é esta a explicação que se dá pela primeira vez, das vibrações sonoras.


Se a onda atinge o centro molecular do corpo este desintegra-se em partículas impalpáveis.

 

Para comprovar esta força revolucionária, os três amigos montaram num quarto um aparato sonoro. Do diapasão, deste aparato, emergiam ondas intensas de 40.000 vibrações/s que eram depois dirigidas, como flechas, para o centro atómico de barras de ferro. Eles verificaram que estas se desfragmentavam, comprovando a teoria do inventor. No entanto, um dia, o médico e o narrador entraram no quarto e encontraram o inventor morto e um manto sombrio da sua cabeça vazia projectado na parede. Esta força apenas podia ser usada pelo inventor, porque ele tinha um sentido que lhe permitia ver o centro de gravidade de um corpo.

Que prazer teria se esta teoria fosse verdade, e ao cantar a “Grândola Vila Morena” o som atingisse o centro de gravidade de certas pessoas! Ainda mais triste do que ouvi-la em certa bocas, é ver um jornalista mandar calar os jovens, quando ele próprio é professor equiparado (sem licenciatura) numa escola superior. De facto, quando certas pessoas ouvem cantar a igualdade e a fraternidade ficam incomodadas, e, como estes valores não se enquadram na sua ideologia, logo afirmam que uma certa classe política se apoderou da música como seu símbolo. É esta pergunta que faço aos nossos governantes: Querem a igualdade?

Leopoldo Lugones acabou por se suicidar com uma mistura fatal de Whisky e cianeto. Encontrou, decerto, a noite mais pura.

 

Declama em surdina, tu que me estás a ouvir, este poema de Lugones:

 

«A Noite Pura

 

Floreció, con la lluvia, en los jardines,

El cándido jazmín de primavera.

La noche, cual profunda enredadera,

Cuaja también en luz claros jazmines...

             

Floresceu com a chuva nos jardins,

O cândido jasmim da primavera.

A noite como uma profunda trepadeira

Muda também a luz dos claros jasmins...»

  

Ouviste a noite? Agora espera por ela, como eu espero que as editoras do meu país traduzam Wilcock e Silviana Ocampo.